segunda-feira, 24 de maio de 2010

DECADÊNCIA DA CULTURA

DECADÊNCIA CULTURAL A PARTIR DO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO COMANDADO PELA GRANDE MÍDIA


Historia Agora
Revista de Historia do tempo presente
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Carol Moryc 1

A arte é um dos modos pelos quais o homem atribui sentido à realidade que o cerca, e uma forma de organização que transforma a experiência, o vivido, em objeto de conhecimento, sendo, portanto, simbólica (MARTINS & ARANHA: 1998, p.136)

As artes levam-nos à dimensão estética da existência e – conforme o adágio que diz que a natureza imita a obra de arte – elas nos ensinam a ver o mundo esteticamente. Trata-se, enfim, de demonstrar que, em toda grande obra, de literatura, de cinema, de poesia, de música, de pintura, de escultura, há um pensamento profundo sobre a condição humana. (MORIN: 2000, p. 45).

A especificidade das obras de arte, a sua forma, não pode enquanto conteúdo sedimentado e modificado negar totalmente a sua origem. O êxito estético depende essencialmente de se o formato é capaz de despertar o conteúdo despertado na forma. Geralmente a hermenêutica das obras de arte é, pois, a transposição dos seus elementos formais em conteúdos. No entanto, estes não pertencem directamente às obras de arte como se elas recebessem simplesmente o conteúdo da realidade. O conteúdo constitui-se num movimento contrário. Imprime-se nas obras que dele se afastam. O progresso artístico, tanto quanto acerca dele se pode falar de modo convincente, é a totalidade desse movimento. Participa do conteúdo mediante a sua negação determinada. Quanto mais energicamente acontece, tanto mais as obras de arte se organizam segundo uma finalidade imanente e se constituem justamente assim, de modo progressivo, no contato com o que elas negam. (ADORNO: 1998, p. 161)

Para o consumidor, não há nada mais a classificar que não tenha sido antecipado no esquematismo da produção. A arte sem sonho destinada ao povo realiza aquele idealismo sonhador que ia longe demais para o idealismo crítico. Tudo vem da consciência, em Malebranche e Berkeley da consciência de Deus; na arte para as massas, da consciência terrena das equipes de produção. Não somente os tipos das canções de sucesso, os astros, as novelas ressurgem ciclicamente como invariantes fixos, mas o conteúdo específico do espectáculo é ele próprio derivado deles e só varia na aparência. Os detalhes tornam-se fungíveis. A breve sequência de intervalos, fácil de memorizar, como mostrou a canção de sucesso; o fracasso temporário do herói, que ele sabe suportar como good sport que é; a boa palmada que a namorada recebe da mão forte do astro; sua rude reserva em face da herdeira mimada são, como todos os detalhes, clichés prontos para serem empregados arbitrariamente aqui e ali e completamente definidos pela finalidade que lhes cabe no esquema. Confirmá-lo, compondo-o, eis aí sua razão de ser. Desde o começo do filme já se sabe como ele termina, quem é recompensado, e, ao escutar a música ligeira, o ouvido treinado é perfeitamente capaz, desde os primeiros compassos, de adivinhar o desenvolvimento do tema e sente-se feliz quando ele tem lugar como previsto. O número médio de palavras da short story é algo em que não se pode mexer. Até mesmo as gags, efeitos e piadas são calculados, assim como o quadro em que se inserem. Sua produção é administrada por especialistas, e sua pequena diversidade permite reparti-las facilmente no escritório. A indústria cultural desenvolveu-se com o predomínio que o efeito, a performance tangível e o detalhe técnico alcançaram sobre a obra, que era outrora o veículo da Idéia e com essa foi liquidada. Emancipando-se, o detalhe tornara-se rebelde e, do romantismo ao expressionismo, afirmara-se como expressão indómita, como veículo do protesto contra a organização. (HORKHEIMER: ADORNO: 1985, p. 117-118).

Sob o poder do monopólio, toda cultura de massas é idêntica, e seu esqueleto, a ossatura conceitual fabricada por aquele, começa a se delinear. Os dirigentes não estão mais sequer muito interessados em encobri-lo, seu poder se fortalece quanto mais brutalmente ele se confessa de público. O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositadamente produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos. (HORKHEIMER: ADORNO: 1985, p. 114)

A estrelização da sociedade iniciara com o cinema e a imprensa de grande público e vem explodindo há meio o século, ilustrando a crise dos valores que atravessou nossas sociedades. Ontem, havia outros valores: a política, a ciência, a religião, o mundo militar, agrícola etc., enfim, uma diversidade de legitimidades concorrentes. Hoje, tudo se alinhou à lógica midiática que se torna a principal legitimidade. (WOLTON: 2006, p.63).

Democrático, o rádio transforma-os a todos igualmente em ouvintes, para entregá-los autoritariamente aos programas, iguais uns aos outros, das diferentes estações. (ADORNO: HORKHEIMER: 1985, p. 114).

Um segundo princípio, particularmente importante no que diz respeito à literatura, é que a linguagem não pode ser considerada como um simples instrumento, utilitário ou decorativo, do pensamento. O homem não preexiste à linguagem, nem filogeneticamente nem ontogeneticamente. Jamais atingimos um estado em que o homem estivesse separado da linguagem, que elaboraria então para “exprimir” o que nele se passasse: é a linguagem que ensina a definição do homem, não o contrário. (BARTHES: 1998, p. 31-32).

(...) o escritor leva em conta, sabendo ou não, a recepção dos próximos, do público, e talvez da imprensa. Isto é, o sentido depende não somente das pulsões, do passado e das forças socioliterárias, mas de um certo modo do futuro que o escritor imagina que existirá em tal círculo social, na comunidade de escritores ou em tal escola literária... Aí intervém o fator estético, intimamente ligado a esse Outro que sustenta a cultura vigente. (WILLEMART: 1996, p 50).

Para Wolton, “o indivíduo que aprendeu a melhor se conhecer e a se expressar é também mais crítico e está disposto a questionar qualquer esquema tradicional.” (WOLTON: 2006, p. 30).

Bibliografia

ADORNO, Theodor. Prismas: crítica cultural e sociedade. Trad. Augustin Wernet e Jorge Mattos Brito de Almeida. São Paulo: Ática, 1998.
ADORNO, Theodor, & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1985.
BARTHES, Roland. Rumor da língua: Escrever, verbo intransitivo? Trad. Mario Laranjeira. São Paulo: Brasiliende, 1988.
BRAGA, C. M.; MOURA, Heleniara Amorim . Temas da comédia brasileira na Primeira República. In: V Congresso de Ciências Humanas, Letras e Artes das Universidades Federais de Minas Gerais, 2001, Ouro Preto. Caderno de Resumos do V Congresso de Ciências Humanas, Letras e Artes das IFES de MG. Ouro Preto: Editora da UFOP, 2001
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998.
MARTINS, Maria Helena; ARANHA, Maria L. de Arruda. Temas de filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 1998.
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-Feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
SANTOS, José Luiz dos. O que é arte ed. São Paulo: Brasiliense, 2000. (Coleção Primeiros Passos; 46).
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos; 110).
WILEMART, Philipe. Universo da Criação Literária: crítica genética, crítica pós-moderna. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993.
WOLTON, Dominique. É preciso salvar a comunicação. São Paulo: Paulus, 2006 – (coleção Comunicação).

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