segunda-feira, 24 de maio de 2010

CRISE DA EDUCAÇÃO

CRISE DA EDUCAÇÃO

A crise da educação especial: uma reflexão política e antropológica
Paulo Ricardo Ross
http://www.educaremrevista.ufpr.br/arquivos_15/ross.pdf

A crise atual é uma crise radical, quer dizer, do sentido fundamental de nossa cultura. Em termos abstratos significa a crise do nosso paradigma. Em termos concretos expressa a crise do sonho maior e da utopia que deu sentido ao mundo moderno nos últimos séculos. Qual era este sonho? O desenvolvimento ilimitado, a vontade de poder como dominação sobre os outros, sobre os povos e sobre a natureza (BOFF, 1994, p. 66).

Se o critério para afirmar a singularidade educativa desses sujeitos é o de uma caracterização excludente a partir da deficiência que possuem, então não se está falando de educação, mas de uma intervenção; se se acredita que a deficiência, por si mesma, em si mesma, é o eixo que define e domina toda a vida pessoal e social dos sujeitos, então não se estará construindo um verdadeiro processo educativo, mas um vulgar processo clínico. (SKLIAR, 1997, p. 9)

Por outro lado: em que sentido falar de uma instituição escolar especial? Se é porque contém fisicamente aqueles sujeitos especiais, então não se trata de uma escola, mas de um hospital. Se, por outro lado, se trata de que as instituições são especiais porque pretendem desenvolver uma didática especial para aqueles sujeitos deficientes, então pode ocorrer que, em vez de processos interativos de educação exista uma aplicação sistemática de recursos, exercitações e metodologias neutras e desideologizadas. (SKLIAR, 1997, p. 10)

A cultura não é apenas um código comum nem mesmo um repertório comum de respostas a problemas recorrentes. Ela constitui um conjunto comum de esquemas fundamentais, previamente assimilados, e a partir dos quais se articula, segundo uma ‘arte da invenção’ análoga à da escrita musical, uma infinidade de esquemas particulares diretamente aplicados a situações particulares. [...] Tais esquemas de invenção também podem ter a função de remediar a falta de invenção, no sentido comum do termo. [...] Os automatismos verbais e os hábitos de pensamento têm por função sustentar o pensamento, mas também podem, nos momentos de ‘baixa tensão’ intelectual, dispensar de pensar. Embora devam auxiliar a dominar o real com poucos gastos, podem também encorajar aos que a eles recorrem para fazer economia da referência ao real. (BOURDIEU, 1974, p. 208)

Por modelo clínico-terapêutico considero toda a opinião e toda prática que anteponha valor e determinações acerca do tipo e nível da deficiência acima da idéia da construção do sujeito como pessoa integral, apesar de e com sua deficiência específica. A obstinação do modelo clínico dentro da educação especial nos revela um clássico problema, ainda não explicado, dentro desse contexto: a necessidade de definir com clareza se esta perspectiva educativa é aliada da prática e do discurso da medicina ou se é aliada da pedagogia ou, como muitos outros supõem, se deve existir uma combinação, uma somatória provável de estratégias tanto terapêuticas como pedagógicas. (SKLIAR, 1997, p. 10)

A concepção do sujeito, a imagem de Homem, a construção social da pessoa, etc., desenvolvem-se em linhas opostas ao contrastar a versão incompleta de sujeito que oferece o modelo clínico-terapêutico e a versão de diversidade que oferece – ou, melhor, que deveria oferecer – o modelo sócio-antropológico da educação. Disso resultam, por outro lado, conseqüências futuras bem diferentes: uma questão seria a do completamento do sujeito e outra, contrária, seria a questão do aprofundamento dos aspectos comuns próprios da diversidade cultural. (SKLIAR, 1997, p. 11)

Fica claro que a pretensão de definir os sujeitos com alguma deficiência como pessoas incompletas faz parte de uma concepção etnocêntrica do homem e da humanidade. O etnocentrismo – junto a um de seus derivados mais perigosos na educação especial: o paternalismo – é um reflexo da intolerância e do racismo gerado por um modelo econômico-político concêntrico, que utiliza os meios de comunicação de massa – ou o contrário – para exercer sua teoria e sua práxis de globalização. Então, a homogeneidade humana é a notícia e a diversidade, incluída a população especial, aparece sob forma de um assassinato, sob o rosto de uma pobreza que se sugere voluntária, da violação, etc., fatos que se consomem pelo resto da população com uma certa curiosidade e voracidade antropofágica. (SKLIAR, 1997, p. 11)

É nesse sentido que o discurso da medicina se torna um aliado incomparável da concepção clínica dentro da educação especial: os esforços pedagógicos devem submeter-se previamente a uma potencial – e quimérica – cura da deficiência. O questionamento implícito desta concepção seria o seguinte: se se tira ou se reduz o tamanho da deficiência, se tiram ou se reduzem as conseqüências sociais. O Homem seria Homem se não fosse surdo, se não fosse cego, se não fosse retardado mental, se não fosse negro, se não fosse homossexual, se não fosse fanático religioso, se não fosse indígena, etc. Nada mais absurdo. (SKLIAR, 1997, p. 11)

Assim, Platão, que nos assegura nas Leis (808 d/e) que como as ovelhas não podem ficar sem pastor, senão se perdem, assim também que a vigie e controle em todos os seus movimentos, pois a ‘criança é de todos os animais o mais intratável (‘ho de pais pantôn theriôn esti dusmetacheiristotaton’), na medida de seu pensamento, ao mesmo tempo cheio de potencialidade e sem nenhuma orientação reta ainda, o torna ardiloso, o mais hábil e o mais atrevido de todos os bichos’ (‘epiboulon kai drinu kai hybristotaton theriôn gignetai’). (GHIRALDELLI, 1997, p. 85)

O animal produz unilateralmente, enquanto o homem produz universalmente; produz unicamente devido à necessidade física imediata, enquanto o homem produz inclusive livre da necessidade física e só produz realmente liberto dela; o animal produz só a si mesmo, enquanto o homem reproduz a natureza inteira; o produto do animal pertence imediatamente a seu corpo físico, enquanto o homem se enfrenta livremente com seu produto. O animal cria unicamente segundo a necessidade e à medida da espécie a que pertence, enquanto o homem sabe produzir segundo a medida de qualquer espécie e sabe sempre impor ao objeto à medida que lhe é inerente; por isso o homem cria também segundo as leis da beleza. (ENGUITA, 1993, p.104 )

Não há nenhuma relação entre a deficiência e seus supostos derivados sociais diretos, pois estes não são uma conseqüência direta daquela, mas sim das formas e dos mecanismos em que estão organizadas e de que dispõem as sociedades para não exercer restrições no acesso a papéis sociais e à cultura das pessoas, de todas as pessoas. De fato, duas pessoas com idênticas deficiências, e que vivem em sociedades diferentes, possuem, obviamente, trajetórias de desenvolvimento diferentes. O papel que desempenha uma deficiência no começo da vida de um sujeito não é de ser o centro inevitável de seu desenvolvimento, mas, pelo contrário, a força motriz de seu desenvolvimento. (SKLIAR, 1997, p. 12)

O sentimento de uma perturbação constitui o estímulo constante para o seu desenvolvimento do psiquismo. Sentimento de um órgão defeituoso constitui o estímulo constante para desenvolvimento psíquico do indivíduo. O defeito determina a orientação das formas psíquicas e, bem como as vias para o sucesso do processo de crescimento e de formação da personalidade.(VYGOTSKY, 1989, p. 6).

A posição social conscientemente avaliada constitui-se a força do desenvolvimento psíquico. Os mecanismos funcionais como a memória, a intuição, a atenção, a sensibilidade e o interesse frente às adversidades enfrentadas conduzem à constituição de uma super resistência e à transformação de inferioridade em superioridade, a incapacidade em competência e talento. (VYGOTSKY, 1989, p. 6)

O cérebro dos primeiros anos de vida é de tal flexibilidade e plasticidade que só uma profunda e errada abordagem clínica negaria todo o potencial de compensação que se reúne na direção contrária ao déficit. Em outras palavras, a criança não vive a partir de sua deficiência, mas a partir daquilo que para ela resulta ser equivalente funcional. Tudo isto seria certo se, desde já, o modelo clínico-terapêutico não se obstinasse tanto em lutar contra a deficiência, o que implica em geral originar conseqüências sociais ainda maiores. Reeducação ou Compensação, essa é a questão. Obstinar-se contra o déficit, esse é o erro. (SKLIAR 1997, p. 12)

É evidente que o ser humano só se constitui progressivamente, no curso de um longo devenir que se inicia com o nascimento para só acabar na maturidade. Suponha-se, porém, que esse devenir nada mais faça que atualizar virtualidades, retirar reluzentes energias latentes que já existiam [...]. O educador não teria, portanto, nada de essencial a acrescentar à obra da natureza. Não criaria nada novo. Seu papel limitar-se-ia a impedir que essas virtualidades existentes se atrofiassem devido à inação, ou se desviassem de seus cursos normais, ou se desenvolvessem com muita lentidão. (GHIRALDELLI, 1997, p. 75)

Há uma certa hipocrisia quando se atribui toda a responsabilidade do fracasso da educação especial, justamente, aos alunos especiais. O fracasso é o resultado de um complexo mecanismo que reúne fatores sociais, políticos, lingüísticos, históricos e culturais, e que provém daqueles profissionais que, dando-se conta ou não, voluntariamente ou não, representam e reproduzem a idéia de um mundo homogêneo, compacto, sem variações, sem fissura. (SKLIAR, 1997, p. 12-13)

Da pretensão à normalidade surge o individualismo. Cada uma por si. Deus por todos. Esta é a frase-tema do individualismo. Torna-se convincente e simpática quando justifica o argumento de que, se uma família tem filhos perfeitos, seu compromisso social e humano se resume a cuidar bem deles. Evitar que se tornem um peso para a comunidade. Prepará-los para produzir. E para gerar novos descendentes, igualmente saudáveis, que férteis se reproduzirão, perpetuando como educadores a mesma linha individualista na condução da prole. Por esse caminho chegaremos à sociedade inclusiva? Não. Cuidar apenas da educação dos nossos próprios descendentes não deve mais nos satisfazer. Os problemas de uns têm de ser os problemas de todos. Social e politicamente, o reflexo mais óbvio da cultura do individualismo é a exclusão das minorias. Minorias no sentido dos desfavorecidos pela legislação de seu país ou pelas posturas e decisões de sua comunidade. Cada um de nós é perito na arte de disfarçar nosso desejo de excluir. Ou de achar que as soluções para a não violação de direitos virão como mágica. (WERNECK, 1997, p. 162-164)

Há apenas governos mais ou menos preocupados em seguir a linha do politicamente correto. Com a crescente autonomia dos jovens adultos com Síndrome de Down no Brasil e no mundo a cultura do individualismo está em crise. Mesmo poucos, estão em número suficiente para desestabilizar a rotina de relações pessoais e sociais entre nós e eles, entre eles e seus governos, rotina inspirada na cultura da tolerância. Tolerar é permitir, com ressalvas. Quem permite não pode ser incomodado com grandes reformulações de pensamentos e de atitudes. Inclusão e individualismo são posturas incompatíveis. Para combater o individualismo a humanidade deve perceber que a deficiência é uma questão humana. Tão humana quanto o sentimento de individualismo que nos faz esquecer disso. (WERNECK, 1997, p. 165).

A diferença colocada por Marx entre o animal que se reproduz a si mesmo e o homem que reproduz a natureza inteira só pode ser compreendida atentando-se para o aspecto consciente que distingue a produção humana da animal; efetivamente, o homem, no seu trabalho produtivo, propõe-se a conservar ou modificar a natureza, coisa que não se pode dizer do animal. É neste sentido que se pode afirmar que o produto do animal se incorpora imediatamente a este, enquanto o homem se enfrenta com seu produto como algo distinto, objetivado, ou que o animal produz unilateralmente – segundo sua própria medida – e o homem universalmente – sem limites, ou sem outros limites que os da própria natureza em si. (ENGUITA, 1993, p. 104)

A educação (paidéia) é, portanto, a arte que se propõe este fim, a conversão (periagoge) da alma, e que procura os meios mais fáceis e mais eficazes de operá-la; ela não consiste em dar a vista ao órgão da alma, pois que este já a possui; mas como ele está maldisposto e não olha para onde deveria, a educação se esforça por levá-lo à boa direção.(GHIRALDELLI, 1997, p. 86)

A fronteira entre educação e educação especial constitui, desse ponto de vista, uma primeira discriminação: a de impedir que a pedagogia especial discuta afazeres educativos; a de ter que, como conseqüência, refugiar-se e envergonhar-se como se se tratasse de um tema sem importância. O fato de que a educação especial está virtualmente excluída do debate educativo é a primeira e mais importante discriminação sobre a qual, depois, se projetam sutilmente todas as demais discriminações – por exemplo, as civis, legais, laborais, culturais, etc. Entretanto, não estou falando simplesmente do direito à educação que também assiste aos surdos; não é que as crianças especiais têm que ir, como todos os demais, à escola, à instituição escolar entendida como um ente físico, material. Estou afirmando que esse direito deve ser analisado, avaliado e planificado conjuntamente a partir do conceito de uma educação plena, significativa, justa, participativa; sem as restrições impostas pela beneficiência e a caridade; sem a obsessão curativa da medicina; evitando toda generalização que pretenda discutir educação só a partir e para as míticas crianças normais. (SKLIAR, 1997, p. 14)

O cidadão-pela-metade será um profissional despreparado. Violará pequenos e grandes direitos das pessoas com deficiência e talvez morra sem perceber isso. [...] Quando o adulto nega a seus filhos o direito de receberem informações sobre o que ele considera serem anormalidades, pratica uma das formas mais sutis de discriminação. Ao optar por só falar do bom, do bonito e do belo, o adulto vira um deturpador da realidade. Passa a sonegar dados sobre um mundo real (nele estão incluídas as doenças e as deficiências) que as crianças percebem como sendo parte do mundo delas, mas que nós insistimos em ignorar ou esconder. Aprender sobre artrite, diabetes, hemofilia, paralisia cerebral, lábio leporino, gagueira, dislexia, ostomia, dislalia, doença renal, epilepsia, paraplegia, cegueira, surdez, alergias alimentares, câncer, prevenção de deficiência é útil para a formação de um cidadão? Defendo que sim. Essas informações fazem parte da construção da cidadania. [...]

As crianças de hoje são muito espertas. Nós ainda não somos. Por isso, quando a garotada nos interroga sobre temas relacionados à deficiência raramente associamos tal interesse à inteligência e à precocidade intelectual. Eu sei, nada é tão simples. Mas é também por não termos sido educados para entender a diversidade como situação natural da vida que hoje lutamos em seguir regras que dêem ao indivíduo com deficiência direitos assegurados na Constituição Brasileira. Por isso acredito na força de um lar transformador. Nele, quando questionados sobre temas que lhe incomodam, os adultos abrem seus dicionários e... seus corações. (WERNECK, 1997, p. 140-141)

O homem é um ser genérico não só porque na teoria e na prática toma como seu objeto o gênero, tanto o seu próprio como o das demais coisas, mas também, e isto não é mais que outra expressão para a mesma coisa, porque se relaciona consigo mesmo como gênero atual, vivente, porque se relaciona consigo mesmo como um ser universal e por isso livre.” (ENGUITA, 1992, p. 105)

[...] na esfera da existência política. O tecido social é atravessado pelas relações de poder, ou seja, os homens não se relacionam automaticamente entre si por relações de igualdade; ao contrário, perpassam, entre eles, relações de poder que se transmutam muito facilmente em relações de dominação, de opressão, de exploração. (SEVERINO et al., 1992, p. 11)


REFERÊNCIAS

BOFF, L. Nova Era: a civilização planetária. 2.ed. São Paulo: Ática, 1994.
BOURDIEU, P. A Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974.
ENGUITA, M. F. Trabalho, escola e ideologia: Marx e a crítica da educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1993.
GHIRALDELLI Jr., P. (Org.). Infância, escola e modernidade. São Paulo: Cortez, 1997.
PESSOTTI, I. Deficiência mental: da superstição à ciência. São Paulo: T. A Queiroz, 1984.
SKLIAR, C. (Org.). Educação e exclusão: abordagens sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997.
VYGOTSKY, L. S. Fundamentos da defectologia. Haban: Pueblo y Educación, 1989.
WERNECK, C. Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva. Rio de Janeiro: WVA, 1997.
Revista Sul-americana de Filosofia e Educação – RESAFE_________________________ Número 10: maio/2008-outubro/2008 32

A CRISE NA EDUCAÇÃO DE HANNAH ARENDT E A CRÍTICA ÀS CONCEPÇÕES EDUCACIONAIS DO PRAGMATISMO
Flávio Rovani de Andrade1

Não se pode educar sem ao mesmo tempo ensinar; uma educação sem aprendizagem é vazia e portanto se degenera, com muita facilidade, em retórica moral e emocional.” HANNAH ARENDT

Assim, o que torna a crise educacional na América tão particularmente aguda é o temperamento político do país, que espontaneamente peleja para igualar ou apagar tanto quanto possível as diferenças entre jovens e velhos, entre dotados e pouco dotados, entre crianças e adultos e, particularmente, entre alunos e professores. É óbvio que um nivelamento desse tipo só pode ser efetivamente consumado às custas da autoridade do mestre ou às expensas daquele que é mais dotado entre os estudantes [...] Em todo caso, esses fatores gerais não podem explicar a crise [na educação] que nos encontramos presentemente, nem tampouco justificam as medidas que as precipitam (ARENDT, 2000, p. 229).

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos as nossas crianças o bastante para não expulsá-las do nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tão pouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum (ARENDT, 2000, p. 247).

As três atividades e suas respectivas condições têm íntima relação com as condições mais gerais da existência humana: o nascimento e a morte, a natalidade e a mortalidade. O labor assegura não somente a sobrevivência do indivíduo, mas a vida da espécie. O trabalho e seu produto, o artefato humano, emprestam certa permanência e durabilidade à futilidade da vida mortal e ao caráter efêmero do tempo humano. A ação, na medida em que se empenha em fundar e preservar corpos políticos, cria a condição para a lembrança, ou seja, para a história (ARENDT, 1995, p. 16-17).

Por de trás da identificação liberal do totalitarismo e do autoritarismo, e da concomitante inclinação a ver tendências “totalitárias” em toda limitação autoritária, jaz uma confusão mais antiga de autoridade com tirania e de poder legítimo com violência. A diferença entre tirania e governo autoritário sempre foi que o tirano governa de acordo com seu próprio arbítrio e interesse, ao passo que mesmo o mais draconiano governo autoritário é limitado por leis. Seus atos são testados por um código que, ou não foi feito absolutamente pelo homem, como no caso do direito natural, dos mandamentos divinos ou das idéias platônicas, ou, pelo menos, não foi feito pelos detentores efetivos do poder. A origem da autoridade no governo autoritário é sempre uma força externa e superior a seu próprio poder; é sempre dessa fonte, dessa força externa que transcende a esfera política, que as autoridades derivam sua “autoridade” – isto é, sua legitimidade – e em relação ao qual seu poder pode ser confirmado (ARENDT, 2000, p. 134).

Nossa esperança está pendente sempre do novo que cada geração aporta; precisamente por basearmos nossa esperança apenas nisso, porém, é que tudo destruímos se tentarmos controlar os novos de tal modo que nós, os velhos, possamos ditar sua aparência futura. Exatamente em benefício daquilo que é novo e revolucionário em cada criança é que a educação precisa ser conservadora; ela deve preservar essa novidade e introduzi-la como algo novo em um mundo velho, que, por mais revolucionário que possa ser em suas ações, é sempre, do ponto de vista da geração seguinte, obsoleto e rente à destruição (ARENDT, 2000, p. 243).

Em parte alguma os problemas educacionais de uma sociedade de massas se tornaram tão agudos, e em nenhum outro lugar as teorias mais modernas no campo da Pedagogia foram aceitas tão servil e indiscriminadamente. Desse modo, a crise na educação americana, de um lado, anuncia a bancarrota da educação progressiva e, de outro lado, apresenta um problema imensamente difícil por ter surgido sob as condições de uma sociedade de massas e em resposta às suas exigências (ARENDT, 2000, p. 227-28)

Ao emancipar-se da autoridade dos adultos, a criança não foi libertada, e sim sujeita a uma autoridade muito mais terrível e verdadeiramente tirânica, que é a ditadura da maioria. Em todo caso, o resultado foi serem as crianças, por assim dizer, banidas do mundo dos adultos. São elas, ou jogadas a si mesmas, ou entregues à tirania do próprio grupo, contra o qual, por sua superioridade numérica, elas não podem se rebelar, contra o qual, por serem crianças, não podem argumentar, e do qual não podem escapar para nenhum outro lugar por lhes ter sido barrado o mundo dos adultos (ARENDT, 2000, p. 231)

A primeira função do órgão social que denominamos escola é proporcionar um ambiente simplificado. Selecionando os aspectos mais fundamentais, e que sejam capazes de despertar reações por parte dos jovens, estabelece a escola, em seguida, uma progressão, utilizando-se dos elementos adquiridos em primeiro lugar como meio de conduzi-los ao sentido e compreensão real das coisas mais complexas. [...] Em segundo lugar, é tarefa do meio escolar eliminar o mais possível os aspectos desvantajosos do ambiente comum, que exercem influencia sobre os hábitos mentais. Cria um ambiente purificado para a ação. [...] Toda sociedade vive atravancada, comumente, com a galharia seca do passado e com outras coisas verdadeiramente perniciosas. É dever da escola omitir tais coisas do ambiente que proporciona, e deste modo fazer com que se neutralize sua influência no âmbito social comum. [...] À proporção que a sociedade se torna mais esclarecida, ela compreende que importa não transmitir e conservar todas as suas realizações, e sim unicamente as que importam para uma sociedade futura mais perfeita. [...] Em terceiro lugar, compete ao meio escolar contrabalançar os vários elementos do ambiente social e ter em vista dar a cada indivíduo oportunidade para fugir às limitações do grupo social em que nasceu, entrando em contato vital com o ambiente mais amplo. (DEWEY, 2009, p. 21-22, grifo meu). Em diversos momentos, Dewey (1979, p. 19)

A matéria de estudo são os fatos observados, recordados, lidos, discutidos, e idéias sugeridas no desenvolver-se de uma situação que tenha um objetivo. [...] O papel do educador na empresa da educação é proporcionar o ambiente que provoque reações e respostas e dirija o curso do educando. Em última analise, tudo que o educador pode fazer é modificar os estímulos ou as situações, de modo que das reações resulte o mais seguramente possível a formação de desejáveis atitudes intelectuais e sentimentais. (DEWEY, 1979, p. 199, grifo do original).

Do ponto de vista do professor, os vários estudos, as diversas disciplinas ou matérias representam recursos eficazes, capital utilizável. Não é, todavia, só aparente o distanciamento, desses estudos, da experiência dos jovens: é real. A matéria do estudante não é, por essa razão, nem o pode ser, idêntica à matéria formulada, cristalizada e sistematizada pelo adulto, isto é, do modo que se encontra em livros, obras de arte, etc. [...] O professor não se preocupa propriamente com a matéria [...] existem mesmo certos aspectos da cultura e preparo superior na matéria – considerados em si mesmos – que servem de estorvo ao ensino eficaz, a menos que a atitude habitual do professor seja a de interesse pela interação da matéria com a experiência pessoal do aluno (DEWEY, 1979, p. 201-202).

Ciência é o nome do saber em sua mais característica forma. Ela representa, de certo modo, o resultado final do aprendizado – o termo deste. O que é conhecido, em tal caso, é o que é certo, seguro, assente, aquilo que dispomos; é antes aquilo com que pensamos, do que aquilo sobre que pensamos. Em sua concepção nobre, conhecimento distingue-se de opinião, da conjectura, da especulação e da mera tradição (DEWEY, 1979, p. 208).

A idéia do desenvolvimento dá em resultado a concepção de que a educação é um constante reorganizar ou reconstruir de nossa experiência. Ela tem sempre um fim imediato, e, na proporção em que a atividade for educativa, ela atingirá esse fim – que é a transformação direta da qualidade da experiência. (DEWEY, 1979, p. 83, grifo meu).

[...] quando se tem oportunidade de pôr em jogo, com atos materiais [brinquedos, jogos e trabalhos produtivos], os impulsos naturais das crianças, a ida à escola é para ela uma alegria, manter a disciplina deixa de ser um fardo e o aprendizado é mais fácil. [...] o jogo e o trabalho correspondem, ponto por ponto, aos característicos da fase inicial do trabalho de aprender, que consiste [...] em aprender como fazer as coisas e processos aprendidos ao fazê-los. [...] O problema do educador é fazer que os alunos se dediquem de tal modo a essas atividades (DEWEY, 1979, p. 214-216).

Essa retenção da criança [em seu próprio mundo] é artificial porque extingue o relacionamento natural [leia-se essencial] entre adultos e crianças, o qual, entre outras coisas, consiste do ensino e da aprendizagem, e por que oculta ao mesmo tempo o fato de que a criança é um ser em desenvolvimento, de que a infância é uma etapa temporária, uma preparação para a condição adulta (ARENDT, 2000, p. 233).

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